Terra Indígena Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante, área solicitada pelos guarani-kaiowá e que está em estudo – Foto: Divulgação
O território de Mato Grosso do Sul corresponde a cerca de 35,7 milhões de hectares, e a área que está reservada aos povos originários corresponde a 2% do total.
Esse território está no centro de discussões em âmbito nacional, por conta da votação que está prevista para o marco temporal para demarcações de terras indígenas.
Deputados federais aprovaram requerimento de urgência para que seja feita a votação do Projeto de Lei (PL) nº 490, de 2007, que define o marco temporal. A previsão é de que essa votação, que vem se arrastando há mais de uma década, aconteça nesta quarta-feira.
São 59 terras indígenas listadas pela Funai para o Estado que estão enquadradas nos procedimentos “regularizado”, “em estudo”, “homologado”, “delimitado” ou “declarado”.
Conforme a fundação, existem sete fases de processos para se identificar uma terra indígena: registro, homologação, demarcação física, declaração dos limites da Terra Indígena, contestações e aprovação da Funai.
Na atual regra válida no Brasil, de acordo com a Constituição Federal de 1988, as terras indígenas são os “territórios de ocupação tradicional”. Eles são bens da União, reconhecidos aos índios a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
Nesses termos, as chamadas TIs precisam estar regularizadas pelo poder público e precisam respeitar as seguintes regras: estarem habitadas de forma permanente; serem importantes para as atividades produtivas; imprescindíveis à preservação dos recursos necessários ao seu bem-estar; e necessárias à sua reprodução física e cultural.
Além disso, é o Poder Executivo que conduz o processo de demarcação, conforme especifica o decreto nº 1.775, de 1996, do Ministério da Justiça. Isso ainda ocorre no âmbito da Funai.
A própria fundação que atua nesse contexto especifica que as áreas identificadas como “em estudo” estão em etapa de realização de estudos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais que fundamentam a delimitação da terra indígena.
Já a classificação “delimitadas” significa que as terras que tiveram a conclusão dos estudos publicados no Diário Oficial da União pela Funai encontram-se em análise pelo Ministério da Justiça, para expedição de Portaria Declaratória da Posse Tradicional Indígena.
Uma outra etapa é a classificação “declaradas”. Essa especificação identifica as terras que obtiveram a expedição da Portaria Declaratória e estão autorizadas a serem demarcadas. Depois, ocorre a fase “homologada”. Neste caso, as terras foram demarcadas e tiveram seus limites homologados pelo presidente da República.
Ainda existe a fase “regularizada”, em que as terras passaram da fase de homologação de seus limites, foram registradas em cartório em nome da União e no Serviço de Patrimônio da União.
A fase final é a “reserva indígena”, que são as terras doadas por terceiros, adquiridas ou desapropriadas pela União que não se confundem com as de posse tradicional e, por esse motivo, não se submetem ao procedimento acima descrito.
A discussão do marco temporal que está para ser votado na Câmara dos Deputados especifica que só poderá haver demarcação se houver comprovação de que indígenas habitavam a área antes ou na data em que a Constituição de 1988 foi promulgada, em 5 de outubro.
ÁREAS ATINGIDAS
Em Mato Grosso do Sul, atualmente, são 16 localidades que se encontram em fase de estudo e podem ser afetadas diretamente pela discussão. Porém, se o marco for aprovado, outras áreas podem sofrer questionamentos judiciais que não se encaixam nas novas regras.
“Denota-se um descaso do governo federal na realização do processo de terras indígenas no País. O processo de demarcação das terras indígenas se arrasta há mais de 30 anos e, em Mato Grosso do Sul, menos de 50% das terras foram demarcadas [Funai, 2016]”, identificou a pesquisadora Márcia Elaine de Rezende Amaral, que estudou o caso na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
Ela salientou que as inseguranças jurídicas em torno do tema afetam indígenas e proprietários rurais.
“A comunidade indígena e os produtores rurais sofrem com o conflito gerado pela insegurança quanto à posse da terra. Além da mora governamental em finalizar os trabalhos demarcatórios, denota-se a ausência de políticas públicas para a comunidade indígena que vive à margem da sociedade, tendo prejudicados a sua cultura e o seu modo de vida, enquanto vivem fora de sua terra”, escreveu a pesquisadora em trabalho apresentado em 2017.
De acordo com ela, os proprietários, principalmente em regiões do sul do Estado, são os mais prejudicados.
“Por outro lado, os produtores rurais são submetidos a um clima de instabilidade e incerteza, gerado pelo conflito. Ou convivem com as invasões indígenas enquanto não realizado o marco ou vivem à espera de serem reassentados, após perderem as terras em razão das demarcações”, completou.
Autor do requerimento para votação imediata, o deputado Zé Trovão (PL-SC) disse que a votação em regime de urgência é para buscar a segurança jurídica que segue imperativa ao longo de décadas.
“Parece que essa discussão se tornou uma guerra, mas não é. Nós queremos dar aos povos indígenas e também aos produtores rurais tranquilidade nos campos, porque os produtores rurais estão desesperados. Terras que são ocupadas por produtores há mais de 50 anos e que foram compradas serão tomadas deles”, afirmou o deputado à Agência Câmara.
Para o secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, o advogado sul-mato-grossense Eloy Terena, a Constituição já traz os critérios corretos para as demarcações.
“A tradicionalidade é a forma como cada povo se relaciona com o seu território. Isso não tem nada a ver com o tempo, mas tem a ver com o modo de ocupação, o modo de relação de cada povo indígena com o seu território. É por isso que a nossa orientação é concluir a demarcação das terras indígenas que estão pendentes”, defendeu.
FONTE: correiodoestado