Projeto de lei prevê alternativa para reforçar preservação da fauna e da flora pantaneira e poderá servir de exemplo para implantação em outros biomas do País
A proposta de criação de uma lei voltada ao Pantanal, enviada ontem à Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (Alems) pelo governador Eduardo Riedel (PSDB), traz uma inovação nas práticas de preservação dos biomas brasileiros. A partir de estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a proposta planeja a implantação de corredores ecológicos na região pantaneira.
Ao Correio do Estado, o presidente do Instituto Homem Pantaneiro, Angelo Rabelo, argumenta que a criação de corredores de biodiversidade são fundamentais para a proteção das espécies existentes no Pantanal.
“Um corredor assegura, depois da proteção do habitat, o segundo componente mais importante da sobrevivência de espécies, que é a troca genética. Muitas espécies foram extintas por estarem isoladas, e o processo de consanguinidade definhou a espécie até a extinção”, detalha Rabelo.
Alexandre Bossi ressalta que a pesquisa da Embrapa tem como objetivo unir as grandes áreas preservadas do Pantanal, sejam unidades de conservação públicas, privadas, sejam áreas prioritárias de preservação.
“A ideia da Embrapa é ligar esses corredores como nenhum outro bioma tem no Brasil. Por exemplo, a Mata Atlântica hoje tem diversas unidades de conservação, mas nenhuma delas está ligada, são ilhas
de conservação”, esclarece.
Bossi, que também é presidente do Instituto SOS Pantanal, frisa que essa conexão de áreas é possível no Pantanal por conta da existência de regiões ainda amplamente conservadas, uma característica que não é observada em outros biomas brasileiros.
Ele salienta que os corredores podem desempenhar um papel crucial na preservação de áreas situadas no interior de fazendas, uma vez que, para manter o fluxo de biodiversidade, não será permitido o desmatamento.
“O produtor cuja fazenda é atravessada por um corredor não pode desmatar essa área. Se ele optar por preservar o corredor, receberá um incentivo financeiro. Além disso, se um produtor tiver 100%
de sua área coberta por corredores, ele não poderá desmatar nem mesmo sequer o que a lei permite, pois se trata de uma área sensível”, conclui Bossi.
De acordo com a pesquisa publicada pela Embrapa no fim de 2022, considerando todos os corredores do Pantanal de MS, Mato Grosso e da Bolívia, a distância média entre nodos conectados, ou seja, áreas de maior conservação ligadas por esses corredores, foi de 29,52 km (de 1 km a 389 km). Para os ambientes florestais, o total foi de 1.993 corredores, com distância média entre nodos interligados de 27,74 km (de 1,5 km a 302 km).
“Para os ambientes savânicos, foram identificados 1.025 corredores, com distância média entre nodos de 32,9 km”, elencou o documento.
O texto detalha que há 97 unidades de conservação consideradas como nodos principais nesse processo, sendo 26 delas terras indígenas e 71 distribuídas em diversas categorias de unidades de conservação.
Assim, a iniciativa visa criar uma malha de conexões que fortaleça a biodiversidade e que promova práticas sustentáveis.
“Nesse contexto, a modelagem de corredores, sua priorização e sua proposição como instrumento de definição de políticas públicas se tornam objetivos essenciais na busca da sustentabilidade ambiental na região”, diz o texto.
O estudo indica que os corredores em questão visam estabelecer rotas que ofereçam a melhor probabilidade de movimentação para o conjunto de espécies consideradas na modelagem.
Uma abordagem inovadora proposta é a utilização desses corredores como referências para a seleção de áreas alternativas dentro de propriedades rurais, especialmente em situações em que seja necessário substituir a vegetação nativa para a implantação de pastagens cultivadas.
Essa estratégia não apenas preserva os corredores de biodiversidade, mas também oferece parâmetros objetivos para a tomada de decisões, além do planejamento de intervenções nas propriedades rurais.
LEI DO PANTANAL
Entre as diretrizes da Lei do Pantanal com relação à preservação das vegetações presentes no bioma, a proibição total ou parcial de supressão de algumas áreas e vegetações fez com que o texto restringisse os espaços de desmatamento e, na teoria, ampliasse a preservação do ecossistema.
Como antecipado pelo Correio do Estado, a lei entregue pelo governo de MS estabelece como áreas de preservação permanente permanente (APPs) algumas regiões e vegetações do Pantanal sul-mato-grossenses. Entre as vegetações estão os landis, as salinas, as veredas e os meandros.
Nessas áreas, a lei permite apenas atividades agropastoris, de ecoturismo e turismo rural, desde que elas não agridam ou degradem as APPs.
Por si só, essas áreas formam regiões onde a supressão é vedada, “ressalvados os casos de utilidade pública, interesse social e baixo impacto”.
Além disso, o projeto também veda a supressão de áreas de murundus, nas bordas de baías, em vazantes e em brejos e restringe em capões e cordilheiras. Isso significa que os proprietários de fazendas no bioma, ao solicitarem autorização ambiental para supressão, estarão proibidos de fazê-la em áreas que tiverem essas características.
Além disso, de acordo com outros pontos contidos no texto da lei, as áreas do Pantanal que têm 60% ou mais de sua extensão com formação florestal campestre e/ou de cerrado terão autorização de suprimir no máximo 40% de sua propriedade, “observando-se as recomendações técnicas da Embrapa Pantanal”.
O ideal, segundo a lei, é que a preservação de cobertura vegetal nativa do cerrado nos imóveis do Pantanal seja igual ou superior a 50% da área.
No caso das formações campestres, essa manutenção deve ser igual ou superior a 40%.
O desmatamento legalizado no bioma em propriedades rurais ou a conversão de pastagens nativas deverão cumprir com as diretrizes da autorização ambiental.
Entre as mudanças previstas no projeto está também a proibição de alguns cultivos da agricultura comercial e de confinamento bovino em áreas de proteção. Segundo o texto da lei, fica vetada a “implantação de cultivos agrícolas, tais como soja, cana-de-açúcar, eucalipto e qualquer cultivo florestal exótico”.
Os cultivos comerciais consolidados e já implantados até a publicação da lei poderão ser mantidos, sendo proibida a ampliação da área. Nesses casos, o proprietário deverá proceder com o licenciamento ambiental.
Excetuam-se da proibição os cultivos da agricultura de subsistência, realizados em pequenas propriedades ou em propriedade rural familiar, e também o cultivo sem fins comerciais, inclusive de espécies utilizadas na suplementação alimentar dos animais de criação dentro do próprio imóvel. (Colaborou Rodolfo César)